top of page

''Eu próprio vi o filme d'A Múmia nove vezes''

  • ndsce9
  • 12 de nov. de 2018
  • 8 min de leitura

Atualizado: 15 de nov. de 2022

ree
Foto do jornal Publico

Da Egiptologia à Egiptomania. O Egipto cativa desde miúdos a graúdos. Isto verifica-se nas viagens feitas com o professor, que já perduram há 20 anos, e pela intensa procura às suas obras. A próxima será a ‘’Rumo à Eternidade’’ , uma tradução cuidada do Livro dos Mortos. O professor optou por não usar o nome original para não assustar as pessoas, tornando-o num título mais sonante. Vai-se jubilar mas não vai deixar para trás o seu trabalho. Vai continuar a colaborar com Museus e Fundações, porque quando se gosta do que se faz nunca se deixa de o fazer na totalidade.


Doutorado em História pela Faculdade de Letras, Luís Manuel de Araújo é autor de diversos livros como: Os Grandes Faraós do Antigo Egipto, Erotismo e Sexualidade no Antigo Egipto, Lendas e Mitos do Antigo Egipto. Faz a revisão científica dos artigos sobre o Antigo Egipto da National Geographic em Portugal. É professor de História, Cultura e Arte da Antiguidade pré-Clássica na Faculdade de Letras, onde faz parte do centro de investigação de História, e também dá aulas de escrita hieroglífica. É colaborador do blog Faraó e Companhia. Durante uma hora percorremos o seu percurso profissional, com humor e sem tabus. É um excelente comunicador, uma pessoa prestável e muito animada. Fala do Egipto com carinho, é a paixão de uma vida. No final ofereceu-me os primeiros cinco volumes da revista Hapi, editada pela Associação Cultural de Amizade Portugal-Egipto, da qual faz parte do conselho de redacção.



O incêndio que aconteceu no Brasil trouxe grandes perdas para a humanidade, dentro delas perdeu-se, para sempre, uma colecção valiosíssima do Antigo Egipto, como encara esta perda?


Num blog do qual faço parte, Faraó e Companhia, fiz posts sobre o drama que aconteceu, chamando à atenção para uma coisa que de facto é lamentável e dramático que é a perda total do edifício, e sobretudo do seu recheio.

Da minha parte, lamento sobretudo o desaparecimento de mais de setecentas peças egípcias.


Alguém cortou verbas. Era a maior e melhor colecção egípcia da América do Sul.


É irrecuperável, perdeu-se tudo. Eu até publiquei algumas imagens de sarcófagos, múmias, amuletos, escaravelhos, papiros, recipientes.


A maior parte da colecção tinha sido adquirida pelo imperador D. Pedro I e o filho dele, o imperador D. Pedro II. Este último foi ao Egipto duas vezes e trouxe de lá peças egípcias.


Espero que uma coisa destas nunca se suceda em Portugal.


O Egipto é sem dúvida um tema que fascina uma massa enorme de pessoas. Na minha geração, por exemplo, eu sei que isto pode parecer anedótico, mas a primeira presença que tivemos com o Egipto foi através dos filmes d’A Múmia.


Mas isso não é uma anedota! Isso é verdade! É a Egiptomania, isto é, a paixão e o gosto pelo Egipto. Eu próprio já vi o filme da Múmia nove vezes.

O Egipto tem um sortilégio, tem um fascínio que poucas civilizações se podem orgulhar de ter. A universalidade do Egipto, o aspecto cativante e divertido faz com que este apareça em banda desenhada, em filmes, etc.


O Astérix, por exemplo.


O Indiana Jones, a Múmia.


Portanto, o Egipto possibilita o estudo de forma séria, que é a Egiptologia. E depois, a partir da emoção gerada pelos mistérios e as maldições, existe a parte lúdica que é a Egiptomania.


E eu digo que ainda bem que o Egipto também serve para divertir.


Pegando então nesse fascínio que é dado ao Egipto, o professor realizou uma pós-graduação no Cairo. Como é que surgiu esta oportunidade?


Trabalhava eu numa editora quando, em 1982, o presidente Ramalho Eanes foi ao Egipto.


Era uma daquelas visitas de Estado que se fazem e, depois, fica sempre bem, nestas alturas, assinar acordos culturais. Mesmo que não sirvam para nada.


Assinaram, assim, um acordo cultural luso- egípcio muito simples! A teoria era: iam licenciados em história geral para lá, para se aperfeiçoarem, e vinham para cá estudantes do Egipto, sobretudo da área de literaturas e línguas para Portugal, por causa da língua e cultura portuguesa.


Cometeram um erro gravíssimo: esqueceram-se que o Egipto era e é um país muito pobre.


E eu e mais três pessoas que foram comigo apanhámos com estas condições. Tudo por causa daquele acordo cultural que em teoria estava muito bom mas que na prática deixava muito a desejar.


Parti em 1984 e fui o único que chegou ao fim do curso intensivo.


Porque foi o único? As condições eram más?


Sinistras! Mas lá está, custa-me dizer isto. Ainda hoje estou muito grato ao governo egípcio porque a bolsa foi-me dada por eles. Então, assim sendo, que bolsa é que se pode esperar de um país pobre e sem recursos? Tomara eu que a bolsa fosse da Gulbenkian ou do governo português, mas não. O governo português pagava aos estudantes egípcios que estavam cá e o governo egípcio pagava-nos a nós.


Pois, os recursos eram escassos.


As casas de banho eram deploráveis, assim como o sítio onde dormíamos, as instalações universitárias eram horrorosas. Em compensação, os estudantes egípcios chegaram cá e tinham óptimas condições. Resumindo e concluindo, fomos os primeiros e últimos bolseiros portugueses no Egipto.


A sério? Foram os únicos a partir nesta experiência?


Com o que passámos lá se acabou rapidamente com o acordo.


Eu fui o único que chegou ao fim. Aguentei lá aquele ano lectivo em 1985 e recebi uma preparação base que, na verdade, não chegou. O resto foi comigo cá a estudar.


Foi estudar literatura, não foi?


Eu fui estudar, sobretudo, escrita hieroglífica. Porque cá não havia. Só havia em Londres ou em Paris. Mas lá, de facto, um dos pontos possíveis era aprender escrita hieroglífica, onde ela foi criada. E os professores que tive lá eram de nível, até porque todos eles, já falecidos, eram formados em faculdades de renome como, por exemplo, Oxford. Beneficiei da aprendizagem com eles e com os trabalhos práticos no Museu do Cairo.


Agora são os seus alunos que dizem que estudaram com um professor de renome. Como está a sentir o processo de jubilação?


Está a ser um processo paradoxal.


Por um lado, é um certo alívio para quem precisa de descansar, sobretudo para quem, como eu, trabalha desde os dezassete anos de idade. Comecei a trabalhar no jornal O Século como tipógrafo, depois passei a litógrafo e com um concurso interno passei a revisor de imprensa.


Por outro lado, sinto que posso ser útil apesar dos meus viçosos, verdejantes e juvenis setenta anos. Mas há pessoas capazes de ocupar o lugar dos que têm saído. Já há pessoas doutoradas na área do Antigo Egipto.


Hei também de continuar a colaborar com o Museu Calouste Gulbenkian, cuja colecção egípcia é notável. Continuarei a colaborar com o Museu Nacional de Arqueologia, cuja colecção egípcia é a maior de Portugal. Continuarei a colaborar com o Museu da Farmácia que tem uma colecção egípcia com mais de cem peças.


E continuarei a colaborar estudando as colecções egípcias públicas e privadas que existem em Portugal. Em média, todos os anos, aparecem sempre uma ou duas colecções novas privadas de pessoas que pedem para eu as estudar. E, grão a grão, o número de peças egípcias vai aumentando em Portugal. Já temos cá mais de mil e duzentas peças egípcias de colecções públicas, de colecções privadas e de colecções particulares- que são pessoas que têm peças mesmo em casa.


Ora, sendo o seu trabalho tão conhecido, isso facilitou a visibilidade das viagens ao Egipto das quais faz parte?


Até surgirem as viagens foi preciso começar a preparar bases para isso. Deveu-se às centenas de alunos que se foram formando na faculdade, com as pessoas que ouvem palestras, assistem a conferências, lêem artigos sobre o Egipto, etc.


Em 1999, foram os próprios alunos da faculdade que sugeriram uma visita de estudo ao Egipto. Isto porque havia o hábito académico de terminar um ano lectivo com uma visita de estudo. O que estava na moda era Barcelona, etc, era a praia.


Chamadas as viagens de finalistas.


Sim, que muitas acabavam em bebedeiras tremendas e despidas de qualquer aspecto cultural.


Até que os próprios alunos decidiram fazer uma viagem ao Egipto, numa altura em que estavam a começar a surgir viagens culturais a outros locais como Roma, Grécia, à zona da antiga Cartago.


Portanto, estas viagens ao Egipto surgem nesse encadeamento. No ano de 2000 partimos com dezanove alunos.


Ainda há uns meses regressámos de lá e só foi um aluno. Isto tem a ver com a crise, com as dificuldades económicas e tem a ver, sobretudo, com um certo clima de insegurança que se gerou no Egipto nos últimos anos que agora, felizmente, está a dissipar-se. Nós nas nossas viagens pomos a nossa segurança acima de tudo. Por isso é que em 2014 nós não fomos lá, estava muito instável. Também não temos ido à cidade de Alexandria, porque a estrada que vai do Cairo para Alexandria é perigosa, passa em parte pelo deserto.


A brincar, a brincar já lá vão vinte anos.


É, realmente, muito tempo. Eu vejo que essas viagens são muitas vezes publicitadas até por uma página do facebook que é Egiptologia em Portugal e no Brasil e eles falam imenso de si.


Certamente foram meus alunos, ou são pessoas que vêem o que se publica em Portugal.


As viagens aconteceram justamente porque eu sou conhecido.


Esta última viagem que fizemos teve uma particularidade: foi a primeira em que fizemos apenas oito dias de viagem. Foi justamente para a tornar mais barata. Em apenas oito dias vê-se o fundamental. Como foi um sucesso, agora todos os anos vamos fazer duas viagens: uma na páscoa, que será grande, de quinze dias, que permite ver o essencial e não só, até porque vamos a locais que maior parte das outras organizações não vão e esta mais pequena no verão onde este ano tivemos a presença do gato Ricardo Araújo Pereira.


Se calhar as outras entidades não vão a esses locais menos conhecidos justamente por, passo a redundância, desconhecerem a História.


Ou não conhecem tão bem ou encarece a viagem, ou acham que é uma repetição do que já viram.


Vou dar um exemplo. Há um túmulo de um senhor chamado Ti, que era um alto funcionário da 5ª dinastia. Para se chegar a este túmulo é preciso andar alguns minutos pelo deserto a pé, onde ninguém vai porque há outros mais próximos e acessíveis. Mas nós vamos visitar este túmulo porque Eça de Queiroz esteve lá em 1869. Aquilo é quase património nacional e a Faculdade de Letras está lá todos os anos.


Nas viagens faz de guia, certo?


Sim, faço de guia. Houve um ano em que cometemos o erro de levar sessenta e quatro pessoas. Eram precisos dois autocarros e eu não podia estar nos dois, o limite são cinquenta pessoas.


Os grupos da Faculdade de Letras têm três guias. O guia local egípcio, utilíssimo para resolver problemas locais que surjam. Depois temos a guia da agência de viagens, para os aspectos logísticos, administrativos. E depois temos o guia científico que sou eu. As visitas têm sido consideradas como um serviço do Instituto Oriental e eu vou como equiparação a bolseiro.


Não poderia acabar de sublinhar o seu prestígio sem que mencionássemos a sua vasta lista de publicações.


Alguns dos meus livros estão esgotados.


O Dicionário (do Antigo Egipto) está esgotado há anos!


Lamentavelmente o Dicionário está esgotadíssimo e a editora Caminho já anda há alguns anos em negociações para fazer uma parceria com uma editora brasileira, que é para o dicionário sair em Portugal e no Brasil. E com o acordo ortográfico, em teoria, a coisa fica mais fácil. Mas acontece que há outras editoras interessadas no projecto.


O valor do dicionário é a participação de vinte colaboradores de várias universidades, sou apenas o director.


Mas tudo o que eu publico quer em livros, quer em artigos, é para pôr à disposição do público, que é muito, um tema que toda a gente gosta.


Desde os mais jovens aos mais adultos. Porque a civilização egípcia é universal. Eu diria até atraente, simpática, e toda a gente gosta do Egipto. Quer pela via da Egiptologia, quer pela via da Egiptomania. Alguns dos grandes apaixonados pelo Egipto são as crianças e não é por acaso. Outra forma de cativarmos as pessoas é através de uma escrita simples, que não se torne chata.


E por falar em escrita, está prevista a publicação de mais alguma obra?


O meu próximo projecto será a realização de uma versão portuguesa do célebre Livro dos Mortos, que não era um livro nem era para mortos.


Era sobre os vivos?


Aquilo era para alguém que estivesse vivo no outro mundo, na eternidade. Para os egípcios eles não estavam mortos.


Além disso aquilo não é um livro, no sentido que damos ao termo. São um conjunto de papiros, mas também pode estar escrito em paredes de túmulos, em sarcófagos.


Porque as versões em português, que existem, são chocantes. Há uma versão má em português do brasil e há uma versão descuidada em português.


Vou fazer uma versão pela qual me responsabilizo e este será o meu grande projecto. O título não será o Livro dos Mortos, isso assusta as pessoas, o título será ‘’Rumo à Eternidade’’.


 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


© 2023 por Amante de Livros. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • White Facebook Icon
  • White Twitter Icon
  • Branco Ícone Google+

Faça parte da nossa lista de emails

bottom of page