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Quem foi a primeira mulher portuguesa a votar?

  • ndsce9
  • 8 de mar. de 2019
  • 7 min de leitura

Atualizado: 4 de mar. de 2021


Carolina Beatriz Ângelo, filha de Emília Clementina de Castro Barreto e Viriato António Ângelo, irmã de Corina e de Eurico e Viriato Ângelo, nasceu a 16 de Abril de 1878, na Freguesia de S. Vicente, situada no distrito da Guarda numa família abastada, mas sem ligações políticas.


Ingressou no Liceu da Guarda, em 1891, revelando-se ser uma excelente aluna.


Prosseguiu os seus estudos na Escola Politécnica de Lisboa, em 1895.


Em 1897, iniciou a sua licenciatura na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa que, a 22 de Fevereiro de 1911, é elevada a Faculdade de Medicina de Lisboa. Terminou o seu curso em 1902.


Casou com Januário Gonçalves Barreto Duarte, seu primo, ilustre médico e republicano. No ano seguinte, nasce a sua filha Maria Emília Ângelo Barreto.


Em 1903, apresentou a sua dissertação inaugural “Prolapsos Genitais (Apontamentos) ” e iniciou a sua prática, como a primeira cirurgiã portuguesa. Feito notável que contraria a tendência masculina dos blocos operatórios da época.


Foi a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, sob a direcção de Sabino Maria Teixeira Coelho. Trabalhou ainda no Hospital de Rilhafoles, sob a orientação de Miguel Bombarda.


Especializou-se em ginecologia, dedicando-se intensamente a esta especialidade médica com um consultório na baixa lisboeta.


Paralelamente à sua carreira profissional de médica, Carolina Beatriz Ângelo reforçou a sua visão social com um activismo cívico, político e principalmente feminista acérrimo, defendendo a emancipação da mulher e acreditando em ideias como a educação para a independência e o divórcio.


Mostrou-se interessada na inovação dos cuidados de saúde, lutando para um melhor apoio aos médicos e defendendo, neste sentido, a separação da Igreja do Estado.


A sua militância em organizações defensoras dos direitos das mulheres iniciou-se em 1906 no Comité Português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes.


Em 1907 participou na fundação do Grupo Português de Estudos Feministas, conduzido por Ana de Castro Osório, de que foram membros também Maria Veleda e as médicas Sofia Quintino e Adelaide Cabete, com quem se havia cruzado na faculdade.


Foi iniciada na Maçonaria, pela Loja Humanidade, sob o nome de Lígia. Note-se que, na maçonaria, os maçons usavam nomes simbólicos. Por exemplo, Bernardino Machado era Littrè.


Em 1909 integrou a Assembleia-Geral da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, onde foi eleita Vogal Suplente da Direcção. Lá defendiam os ideais republicanos, do sufrágio feminino, do direito ao divórcio, da instrução das crianças e de direitos e deveres iguais para homens e mulheres. Porém , Beatriz era mais moderada que algumas das suas companheiras e defendia o direito ao voto com restrições.


A 5 de Outubro de 1910, dá-se a Proclamação da República, tendo Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete sido as responsáveis pela confecção secreta das bandeiras vermelhas e verdes, simbolizando a Revolução.


A 14 de Março de 1911, foi publicada a Primeira Lei Eleitoral do Regime Republicano, não sendo explicitado que o direito ao voto estava vedado à mulher, a ideia ficaria nas entrelinhas pois o que tinha sido exposto é que só podiam votar os cidadãos alfabetizados, chefes de família, e tinham de ser maiores de 21 anos.


Como Beatriz Ângelo era viúva- tinha perdido o marido em Junho de 1910 -, tinha a seu cargo a filha, e era obviamente letrada, em 1 de Abril de 1911, Carolina solicitou à Comissão de Recenseamento do Segundo Bairro a sua inclusão nos Cadernos Eleitorais:


“Ex.mo sr. presidente da comissão recenseadora do 2º bairro de Lisboa. - Carolina Beatriz Ângelo, abaixo assinada, de trinta e dois anos de idade, natural da cidade da Guarda, freguesia de S. Vicente, viúva, médica residente em Lisboa, rua António Pedro, S. D., 1º andar, freguesia de S. Jorge de Arroios, 2º bairro, como cidadão português, nos termos dos artigos 18º e 20º do Código Civil, não excluída dos seus direitos públicos de eleitor por qualquer dos impedimentos taxativamente enumerados no artigo 6º do decreto com força de lei de 14 de março de 1911, e estando antes, compreendida em ambas as categorias de eleitoridade dos n.º 1º e 2º do artigo 5º do decreto referido, por quanto não só sabe ler e escrever, mas é chefe de família, vivendo nessa qualidade com uma filha menor, a cujo sustento e educação prevê com o seu trabalho profissional, bem como aos demais encargos domésticos - pretende em tempo e para todos os efeitos legais que o seu nome seja incluído no novo recenseamento eleitoral a que tem de proceder-se, por virtude dos artigos 15º e 16º e outros do decreto citado de 14 de março de 1911. // Para tanto o requer a v. exª, tendo em vista o disposto nos artigos 17º e 18º do mesmo decreto com força de lei. Lisboa, 1 de abril de 1911. (Junta-se a certidão de idade). (Assinada), Carolina Beatriz Ângelo”.


A comissão recenseadora indeferiu o pedido remetendo o pedido para o ministro do Interior, António José de Almeida.


A 25 de março de 1911, onze dias depois da lei eleitoral ser publicada, disse ao jornal A Capital que não quer pedir ao governo “que introduza modificações na lei. De forma alguma. Nós propomo-nos tomar parte no sufrágio eleitoral, mas sem que para isso seja necessário alterar uma vírgula do decreto. Conquanto não nos abra a porta, também nos não dá com ela na cara. Esse facto é que talvez o senhor não tenha notado e por isso se admira tanto. Pois leia a lei e verá. Encontram-se ali artigos e parágrafos para determinar quem pode ser eleitor e artigos e parágrafos para mostrar quem pode ser elegível; explica-se ali que tal e tal não pode votar porque é menor ou não tem folha corrida, e que tal e tal não pode ser eleito porque desempenha determinados cargos. O que, porém, ali se não diz é que tal e tal não pode ser eleito ou eleitor... pelo facto de ser mulher. Ora, se assim é, porque motivo hão de as mulheres ser excluídas da urna?”.


O pedido foi-lhe negado então “apelou para juízo, arrostando com o ridículo e com a má vontade dos homens, que não contavam com a nossa coragem nem com a justiça do julgamento”.


No recurso, entregue em 24 de Abril de 1911, no Tribunal da Boa-Hora, invocava quer o decreto, com força de lei, de 14 de Março de 1911, quer artigos do Código Civil:


“Ex.mo Sr. Juiz: - D. Carolina Beatriz Ângelo, abaixo assinada, viúva, médica, residente na rua António Pedro, S. D. 1º andar, desta cidade de Lisboa, freguesia de S. Jorge de Arroios (2º bairro), pelo presente, nos termos e para os efeitos do art. 28º do decreto com força de lei de 14 de março de 1911, para v. exª reclama contra a sua exclusão do recenseamento eleitoral, - manifestamente ofensivo dos seus direitos políticos como cidadão português (Código Civil art. 18º e 20º) compreendida em ambas as categorias do art. 5º do referido decreto, e não incluída em qualquer dos impedimentos taxativamente enumerados no seu art. 6º ou no decreto posterior de 6 de abril do ano corrente. // A reclamante requereu a sua inserção no recenseamento eleitoral, cumprindo o disposto no art. 18 do decreto de 14 de março, pela forma prescrita neste art. // A reclamante requereu a sua inserção no recenseamento em 4 de abril, fundando o seu pedido na lei que evidentemente não exclui as mulheres do direito de eleitoridade. Nem outra foi até hoje a interpretação dada pelos legisladores à sua obra, não obstante haver sido publicado posteriormente um decreto que regulou de modo diverso as condições de impedimento do direito de votar, qual o de 6 de abril deste mesmo ano. // A reclamante tem capacidade eleitoral ; sabe ler e escrever, é chefe de família, é cidadão português, Código Civil arts. 18º e 20º. - Pelo exposto mais pelo douto suprimento, deve a reclamante ser inscrita no recenseamento eleitoral pela freguesia do seu domicílio - em homenagem à Lei, à Democracia, à Equidade e à Justiça. // Nestes termos: requer a v. exª e espera deferimento, seguidas as demais prescrições dos decretos citados”. Cf. “Em volta da urna - as sufragistas recorrem para os tribunais”. O juiz João Baptista de Castro autorizou que esta votasse.


Em 28 de Maio, votou nas Eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, recenseada com o n.º 2513, tendo sido, assim, a primeira mulher a votar, no país e na Europa do Sul. Dirigiu-se ao Clube Estefânia, onde estava instalada a Assembleia de Voto de São Jorge de Arroios, Lisboa.


Votou em Afonso Costa, Bernardino Machado e Magalhães Lima, candidatos do Partido Republicano Português pelo Círculo Oriental.


No entanto, no momento do acto, a médica ainda se deparou com alguma incerteza por parte do presidente da assembleia, que consultou a mesa sobre a legalidade daquele acto, por lhe ter constado que “o governo provisório tinha consultado o procurador geral da República acerca da sentença do juiz que mandou incluir o nome daquela senhora no recenseamento eleitoral e ainda por que a aceitação da lista representava o reconhecimento do direito de voto às mulheres”.


No dia seguinte, imagens e cartas da própria, acerca deste feito, foram publicadas em vários jornais, contribuindo para reforçar a luta das sufragistas.


Como consequência, em 1913, a lei foi alterada, impedindo as mulheres de votar passando a estar explícito que o voto seria apenas para homens.


Carolina intervém na questão religiosa com uma posição moderada, contra o anticlericalismo das associadas da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Alteraram o artigo 11º dos Estatutos da Liga, que garantia o respeito pelas crenças das suas sócias. Esta eliminação do artigo, em nome do laicismo e devido às divergências surgidas à volta do sufrágio feminino, fez com que Carolina abandonasse a Liga e que com a Ana de Castro Osório fundam a Associação de Propaganda Feminista, em Maio de 1911, considerada a primeira organização sufragista portuguesa.


Eleita presidente, foi no seu consultório que se realizaram parte das reuniões, nomeadamente aquela que marcou a fundação oficial, no dia 12 daquele mês.


Por vezes incompreendida, assumiu-se como pioneira ao defender, numa atitude ousada para a época, o alargamento do serviço militar obrigatório às mulheres em condições de o satisfazer, de forma a transportar a experiência que possuíam na governação da casa, propondo que se lhes atribuíssem a administração militar e os serviços de ambulância, de enfermagem e de cozinha. Note-se, no entanto, que o que estava em causa eram funções meramente administrativas e ‘domésticas’ e não militares.


As preocupações quanto à emancipação feminina estenderam-se à tentativa de instituir, na APF, uma escola de enfermeiras, “que infelizmente teve vida efémera, por morte prematura da sua chorada fundadora”.


Alertou para a insuficiência das leis da família e do divórcio, “principalmente no que respeita à administração dos bens ser confiada ao homem, o que coloca a mulher numa situação dependente”.


À pergunta sobre o que faria caso fosse eleita alguma vez deputada, respondeu que “reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher”, com enfoque na necessidade de “conseguir a igualdade de salários quando a mulher produza tanto como o homem’’.


No dia 3 de Outubro de 1911, morreu de miocardite, aos 33 anos, ao regressar à sua residência da Rua António Pedro S.D., após uma reunião política de “senhoras feministas”.

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